Depois dos últimos embates envolvendo um blogueiro famoso (sem link porque esse tipo de gente não merece publicidade) e um número grande de blogueiras e blogueiros incomodados com um pseudo-post bem humorado e que tinha a "piadística" intenção de oferecer um "cala-boca" às feministas e pseudo-feministas, resolvi me pronunciar.

Não pretendo falar do blogueiro em questão pois o caso já foi bem explicado, detalhado (com todos os detalhes sórdidos) e debatido aqui, e ridicularizado (bem ao estilo bem humorado da Ana) aqui.

Quero, na verdade, falar do livro que estou lendo: "De Mariazinha a Maria" - Marta Suplicy.

Não me lembro qual foi o primeiro contato que tive com esse livro. Sei que estava na faculdade e um exemplar caiu em minhas mãos. Comprei, comecei a ler, e estava aprendendo coisas que eram tão surpreendentes e inovadoras, e das quais fiz tanta propaganda, que rapidamente pediram o meu exemplar emprestado. Não havia acabado de ler mas emprestei mesmo assim. O livro sumiu. Nunca mais se ouviu falar dele.

Tempos depois, já em 2004, visitando um sebo, encontrei outro exemplar do mesmo livro (ele tem edição esgotada e só pode ser encontrado em sebos). Comprei-o e, uma amiga que estava comigo e com quem já havia comentado do livro, pediu emprestado. Tinha pressa em lê-lo. Emprestei. :-)

O livro voltou para a minha mão, finalmente!, mais de seis meses depois e só há poucas semanas tomei tempo para lê-lo de novo e - dessa vez - terminar a leitura.

Esse prefácio todo foi apenas para dizer que a reação de muitas mulheres ao referido post foi tão ou mais surpreendente do que o post em si. Esperava-se, no mínimo, reações indignadas...talvez não indgnação mas surpresa, quem sabe. Confusão? Tristeza por que alguém que parecem admirar produziu algo tão lamentável? Nada disso. A esmagadora maioria das mulheres que comentaram ali (e todos os homens, num total de 27 comentários), RIRAM. Surpreendentemente, riram (*)

Não pude de deixar de pensar no livro de Marta onde ela nos compara - mulheres - a Mariazinhas tentando se tornar Marias, tentando nos curar de algo que ela entitula "Síndrome de Mariazinha".

No prólogo (Como cheguei às Mariazinhas) ela diz:

"Acho que eu nunca teria percebido a Mariazinha se não tivesse sido criada para ser uma delas, se não tivesse me revoltado muito pequena com a diferença de possibilidades e regalias abertas para mim e meu irmão, se não tivesse um pai patriarcal e uma mãe aparentemente submissa, mas insatisfeita, se não vivesse os medos, ansiedades e de dor no abrir dos meus caminhos, e se não tivesse constantemente atenta às tentações de voltar a ser Mariazinha."

Mais adiante, na página 21:

"A Mariazinha pode ser encontrada em todos os lugares, independentemente de sua classe social, estágio intelectual e auto-suficiência econômica. Pois a mulher pode usufruir os privilégios da alta burguesia e não ter autonomia, pensamento próprio ou percepção de si mesma. Ser muito rica por herança ou méritos próprios e se comportar emocionalmente em casa com a mais tonta e submissa das mulheres. A Mariazinha pode ser muito pobre, exercer o papel de chefe da família e não se dar conta de seus méritos e sua capacidade. Essa Mariazinha constantemente valoriza o que consegue fazer e sonha com o príncipe encantado: tudo que ela quer é um homem! Dificilmente percebe seu valor. Na sua fantasia é o homem quem irá solucionar seus problemas"

E na página 75:

A mulher é socializada para valorizar a aprovação geral. Uma de nossas fantasias é a de agradar gregos e troianos. E isso só conseguimos se nos negamos a nós mesmas. Se assumirmos nossa individualidade, fatalmente desagradaremos alguém. Especialmente as que se sentem ameaçadas em sua "confortável" posição de Mariazinha, pela simples existência de mulheres independentes (vide comentários femininos no tal post). Além de perturbar a sua segurança mostrando que o destino de Mariazinha não é totalmente inevitável, as Marias também são menos queridas por serem objetos de inveja. Quantas mulheres não solapam seu próprio desenvolvimento por não saberem lidar com a inveja alheia! E, as vezes, até com a própria!


Identifico-me com Marta quando ela fala que muito cedo percebeu e se rebelou com o duplo padrão, "a diferença de possibilidades e regalias abertas para mim e meu irmão". A minha irmã tem uma frase bárbara que ela e usa quando, hoje, questionamos nossa mãe sobre os duplos padrões (sexuais, comportamentais e outros 'ais') que ela usou ao criar suas duas filhas e seu filho. Minha mãe sempre diz "eu fui criada assim, muitas mulheres são criadas assim e não são insatisfeitas como você, é utopia achar que você pode mudar o mundo" e a minha irmã invariavelmente responde "todo oprimido se dá conta da opressão e se sente insatisfeito com isso. Há muitas maneiras de se rebelar".

Eu me rebelei e muito cedo. Não aceito esse tipo de "brincadeirinha" que humilha e desvaloriza a mulher. Chamem-me de feminista, pseudo-feminista, mal amada (a expressão favorita), o que seja. Sou uma Mariazinha procurando caminhar em direção a ser Maria. Fico triste, muito triste, em ver que mulheres se sujeitam a serem sempre Mariazinhas, rindo de piadas machistas e debochando daquelas que estão lutando, apenas para não perder o posto "confortável" de "melhor amiga", "melhor irmã", "melhor namorada", "melhor blog feminino" (claro porque melhor blog dos blogs é uma deferência reservada sempre a outros homens, nunca a mulheres)...

Vou parando...Não tinha a intenção de escrever um post tão longo, mas, enfim, é mais ou menos isso!

(*) Descobri depois que pelo menos uma pessoa fez um comentário dizendo o que o tal blogueiro precisava ouvir, mas ele está aceitando apenas os comentários que quer. Tsc, tsc, tsc. Típico de gente covardona.