A voz dos Surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham, xpressam.
A Língua de Sinais envolve movimentos que podem parecer sem sentido para muitos mas que significam a possibilidade de organizar idéias, estruturar o pensamento e manifestar o significado da vida para os Surdos.
Pensar sobre surdez requer penetrar no mundo dos Surdos e 'ouvir as mãos' que, com alguns movimentos, nos dizem o que fazer para tornar possível o contato entre o mundo dos envolvidos. Permita-se 'ouvir estas mãos'. Somente assim será possível mostrar aos Surdos como eles podem "ouvir o silêncio da palavra escrita".

Ronice Müller Quadros

"O meu primeiro contato com a surdez aconteceu na infância. Mas levou muito tempo para que eu percebesse que a falta de audição traz mais problemas para o surdo do que tão somente não escutar. Demorou para que eu pudesse entender que a dificuldade que o surdo tem de assimilar certas coisas é porque, na maioria dos casos, lhe falta uma língua.

Em 1998 comecei a desenvolver uma espécie de trabalho voluntário com surdos. Passei a conviver com eles, a ensinar-lhes a língua que é deles e a aprender com eles a melhor maneira de usá-la. Tornei-me intérprete, ainda que informalmente, da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Também acabei por me tornar intermediária no relacionamento entre pais ouvintes que não falam a LIBRAS e seus jovens filhos surdos. Tornei-me psicóloga, conselheira, babá e mãe.

Porque os surdos, em geral, não sabem que é falta de educação chegar à casa dos outros às 23h? Porque o surdo, em geral, não sabe que certas coisas não se dizem, mesmo que seja verdade? E, pior, porque os surdos, especialmente os que tiveram um primeiro contato com a Língua de Sinais muito tardio, têm graves dificuldades em fazer generalizações, em se apropriar de conceitos abstratos?

Maiores dificuldades têm ainda aqueles que jamais tiveram contato com uma Língua de Sinais: alguns sequer sabem a diferença entre hoje, ontem e amanhã, manhã, tarde e noite, nada sabem sobre o conceito de quantidade. Questões absolutamente abstratas, mas pueris para crianças de seis anos que freqüentam a escola.

Essas e muitas outras que perguntas que me inquietaram - e ainda me inquietam - são a razão do meu interesse em pesquisar o assunto."



* Texto adaptado da apresentação de minha Monografia de conclusão de curso "Aquisição/Aprendizagem da Língua Portuguesa por Indivíduos Surdos em uma Perspectiva Bilíngue" - Feira de Santana/2002.

E, antes que me perguntem, adianto que sou contra a inclusão de surdos nas escolas regulares.