Eu não ia escrever sobre isso.

Depois do Orkut eu tenho ficado muito sensível a esse assunto.

Mas depois resolvi expulsar a minha covardia porque gosto de pensar que não sou uma covarde.

Não sei se você sabe, mas ontem, 20 de novembro, foi o dia da Consciência Negra.

Sempre fui uma pessoa relativamente consciente de meu papel como cidadã no tocante a fazer alguma coisa para melhorar esse mundo torto em que vivemos (sei que parece pieguice, mas quisera Deus que todo mundo parasse de olhar apenas o próprio umbigo). Eu sempre soube que existe racismo, xenofobia, discriminação de todos os tipos na Terra Brasilis. Bem, eu sou nordestina, negra, mulher, evangélica e pobre. Difícil não perceber certo? :)

E depois do Orkut, dos passeios que andei fazendo por lá, pude perceber quão pálida era minha idéia sobre racismo no Brasil. Quão distante eu estava de entender como as pessoas podem ser torpes.

Ainda me estarrece as notícias que leio das coisas que saem publicadas aqui, aqui, aqui, aqui e em muitas outras comunidades semelhantes (só leio as notícias porque me embrulha "os estômago" acompanhar esse tipo de comunidade) . São muitas e surgem todos os dias. Ainda me estarrecem as sandices que leio também aqui e de ver os ataques de hackers sofridos pelas comunidades negras do Orkut (já presenciei vários e quase todas as comunidades negras sofreram um ou mais ataques).

É por essas e outras que eu não vou deixar de escrever sobre o Dia da Consciência Negra no meu blog. Porque eu vivo em um país onde metade da população é negra e, na minha infância, todas as apresentadores infantis eram loiras. Onde ainda (mais de cem anos da abolição da escravatura) causa estranheza ver famílias, casais, crianças negras nas telenovelas (a reação muitas vezes é positiva, mas todo mundo percebe, ninguém acha normal, não passa desapercebido).

Com as cotas raciais já é diferente. Não há reação positiva, só indignada. Na Bahia onde mais de 70% da população é negra ou afro-descendente e apenas 6% dos universitários são negros, a UFBA reservou 45% de suas vagas para negros oriundos de escolas públicas nos próximos vestibulares e a reação não foi muito pacífica. Como em quase todos os demais lugares do país onde as cotas foram adotadas, eu imagino.

(Não quero discorrer aqui sobre o que eu acho da política de cotas por temer que o post fique por demais longo. Mas devo adiantar que sou a favor e que expliquei longamente porque em várias discussões no Orkut. Você pode acompanhar uma parte aqui)

A justificativa é quase sempre a mesma: "A Raça é uma só, humana. E no Brasil todos nós somos mestiços. E é impossível dizer que é negro no Brasil. Todos somos iguais". Ahhh como eu odeio esses argumentos superficiais e muitas vezes a má fé por trás deles. Sempre o mito da democracia racial que é claramente, escandalosamente, desmentido pelas estatísticas.

Talvez você devesse falar que somos todos iguais pro guarda que está na porta do shopping onde fica a minha academia todas as manhãs, e que me pára todas as manhãs, apesar de minhas roupas de ginástica, para me perguntar pra onde estou indo. Deveria dizer a ele que eu sou igualzinha àquelas pessoas brancas que ele deixa passar sem perguntar nada.

Talvez você devesse dizer que somos todos iguais aos policiais que pararam um primo meu e perguntaram de quem era o tênis (importado e caríssimo) que ele estava usando só sossegando depois que ele apresentou uma nota fiscal.

Talvez você devesse dizer aos diretores de tv, aos head hunters, aos empregadores, aos donos de lojas, ao gerentes do Banco Real (de onde, aliás, sou correntista e onde não há um único negro trabalhando nas agências que freqüento em Salvador) que somos todos iguais.

Ainda que devêssemos ser iguais, não somos.

Como sabiamente disse Martin Luther King: I HAVE A DREAM.

Eu tenho o sonho de que meus filhos possam viver em um país melhor do que esse. Onde as pessoas deixem de ser iguais apenas na letra da Constituição e sejam iguais de fato. Onde os negros, a maioria dos negros, não sirva apenas para serem empregados, flanelinhas, faxineiros, etc. Mas possam ser respeitados e reconhecidos em todas as áreas do conhecimento.

Você pode ler na íntegra o discurso de Martin Luther King (I have a dream) de 28 de agosto de 1963 em Washington, D.C. aqui

Pode ler também sobre o Dia da Consciência Negra aqui e aqui