Não tenho certeza quando ouvi falar de Olga Benário pela primeira vez.

Talvez tenha sido no ensino médio ou talvez tenha sido no pré-vestibular. O fato é que, desde então, Olga, de Fernando Morais, entrou pra minha lista de livros a serem lidos ao lado de O Diário de Anne Frank.

Li o livro de Fernando Morais quando já estava na faculdade (li Anne Frank também, alguns anos antes) e fiquei absolutamente comovida, admirada, sem palavras com a história dessa mulher tão impressionante. E impressionada em perceber quão fundo em sua própria miséria e maldade as pessoas podem chegar quando estão afastadas de Deus.

Bem...... anos depois a vida de Olga virou um filme. E eu tive medo de que ela fosse reduzida a algo menor do que foi, de que falassem menos do que a verdade ou romantizassem a verdade bem tipicamente "padrão globo de fazer novelas", medo de que Prestes fosse mostrado como um super-homem e não como alguém tão cheio de conflitos, tão humano, um homem que apesar de ser um revolucionário experimentado e conhecido no mundo todo, nunca tinha namorado uma mulher até os 34 anos de idade, até encontrar Olga.

Sou fã da Camila Morgado desde que ela deu um show em "A Casa das 7 Mulheres" e fiquei feliz com a escolha dela para o papel. Mas, de alguma forma, pra mim ela era a Manuela e não sabia se eu conseguiria fazer a transição da imagem "Manuela" pra imagem "Olga". Na verdade não sabia se ELA conseguiria.

Olga Gutmann Benario foi uma COMUNISTA. Assim, com maiúsculas. Não uma comunistazinha de cartaz ou camiseta do Che, desfilando por aí de cabelos azuis e lata de coca-cola na mão. E como admirei (e admiro) a vida dessa mulher apesar de todos os meus "senões" com os comunistas.

É um bom filme. Mas se você assite o filme vê uma história de amor com um fundo político, lendo o livro, é uma basicamente uma história política e amor como pano fundo. E Olga era política. Isso é o que ela era. POLÍTICA.

O filme acertou quando colocou um Prestes fraco, ingênuo até. Diferente do mito criado pelos nossos livros de história, apesar de ele ter sido um grande homem, capaz de digirir uma caravana revolucionária que caminhou 25.000 km pela América do Sul sem perder uma única batalha.

O filme errou quando valorizou o romance, na nudez desnecessária, errou quando colocou na boca de Olga um discurso panfletário de alguém que sempre tinha as palavras decoradas para dizer. Errou no tom. Abusou do tom. Errou quando não abordou a questão política com seriedade se prendendo basicamente ao encontro dos dois, à história dos dois. Especialmente porque o que mais unia Prestes a Olga era a afinação de idéias, de ideiais, a política.

Dona Leocádia, mãe de Prestes, que engendrou uma campanha por toda a Europa e junto aos organismos internacionais em favor do filho e da nora que nunca pôde conhecer, foi brilhantemente interpretada por Fernanda Montenegro, mas nem ela conseguiu salvar os escorregões do roteiro. Era digna demais, perfeita demais, segura demais, serena demais, humana de menos.

Caco Ciocler também está perfeito, assim como Camila Morgado. Graças a eles o filme não é um desastre completo. É um filme feito pra concorrer ao Oscar (a atual obsessão dos cineastas brasileiros). A estatueta em detrimento da história. Assim eles fizeram com uma excelente história (tão real quanto inverossímel) muito menos do que poderiam. Quando penso nisso mudo de idéia e digo que é um péssimo filme. É um grande desperdício de uma grande história.

Abre parênteses para falar dos cenários e da direção de arte. INCRÍVEL!!! Eles fizeram nevar no Rio de Janeiro. O filme foi todo gravado no Brasil. Toda aquela neve no chão, com jeito de neve, parecendo gelado, é sal grosso. Um calor infernal e eles fizeram a gente acreditar que era neve, que era um campo de concentração na Alemanha. Simplesmente perfeito. Fecha parênteses

Saí do cinema frustrada, com a sensação de que alguma coisa não havia encaixado bem. Mas levei dois dias para admitir pra mim mesma que não havia gostado do filme.

Quem não leu o livro talvez se comova com o filme inteiro, a música, o clima. A cena que mais me comoveu, no entanto, foi a cena onde Olga é separada de sua filha Anita. Era o mito desmoronando. A mulher tão forte se descobrindo frágil, desamparada, tão humana como eu ou você. Me emociona a leitura das cartas de Olga (durante o filme são lidas com a voz de Camila como se estivesse pensando ou escrevendo). Me emociona saber que ela viveu e que tudo aconteceu de verdade.

Histórias de guerra, tortura, holocausto me perseguem meses a fio. Penso sempre que a gente, a humanidade, podia viver sem isso na consciência. Que isso não poderia se repetir nunca, e no entanto, se repete o tempo todo, entre povos irmãos, que são chacinados ou se chacinam, como Angola, Ruanda, Afeganistão, Iraque, mendigos em São Paulo, meninos na Vila Cruzeiro...

Leiam o livro, por favor. Ele foi reeditado com a Camila Morgado na capa. Um absurdo, eu achei, tirarem a foto da Olga e colocarem a Camila, mas é o poder da Globo Filmes.

A versão cinematográfica é muito pequena perto de quem foi Olga Benário Prestes. Alguém que ,ao final de sua vida, em sua carta de despedida, escreveu: "Lutei pelo bom, pelo justo, pelo melhor do mundo".